Contagem Regressiva

quarta-feira, 30 de maio de 2012

Trans ferro velho 1989 (continuação)

   
   Pela tarde, meio–mano 1 levou dois caipiras urbanos para ver o que era floresta nativa ainda intacta. Já muito distante da casa ele pára subitamente e diz:
Mano 1 Chiii! Façam silêncio. Ouviram?
Eu – Não
Mano1 – Tem onça no mato, escuite.
E eu pensando com meus botões (Rá,rá,rá. Tá querendo me assustar só porque eu sou da cidade.)
Mano 1 – Melhor vortá. Tô sem minha espingarda.
Eu – Bobagem mano. Estamos em três. Está com medo?
Mano 1 não falou nada. Deu mais alguns passos na ponta dos pés e se abaixou diante de uma pequena poça no meio do caminho.
-  Vem cá. - disse ele apontando para baixo. Me aproximei para ver nitidamente uma pegada, no barro ainda fresco. Era uma marca de pata com garras e tudo, mais ou menos duas vezes maior que de um cachorro pastor alemão. Dez minutos depois estávamos sentados na varanda da casa, ainda ofegantes...
      Parece que meus meio-manos convivem com o perigo e não se dão conta disso, ou desenvolveram uma postura zen diante da vida. No dia seguinte visitávamos a plantação de feijão, onde eu julgava estar mais seguro, quando uma enorme cobra sai debaixo do trator e passa calmamente entre nossos pés. Mano 2 mais calmo ainda que a víbora, limita-se a dizer para mim
- “Não se mova e não fale nada”.
Naquele momento não entendi. Apenas obedeci esperando por alguma brincadeira.
Mano 2 – Pronto. Já passou.
Eu – O quê?
Mano 2 – Aquela cobra ali. (apontando para o rabo dela que já desaparecia na capoeira).
Eu – Grandinha , Não concorda? (já empoleirado no pneu maior do trator).
      Meus meio-manos tem mais coisas na fazenda das quais eles se orgulham, entre as elas um caminhãozinho Chevrolet Brasil 1951. Bem, chamar aquele amontoado de ferrugem de caminhão é no mínimo ser generoso. Mas como eu sempre respeitei o gosto alheio por carro, até fui olhar de perto. Se você acha que eu sou criativo para dar nome aos carros, escuta só o nome do caminhão: “Congestão de Torresmo”. Imagino que, se dava dor de cabeça, também gerava dor de barriga quando resolvia não funcionar. 
      É possível que o Congestão de Torresmo estivesse dando mais que dor de cabeça e dor de barriga. Talvez estivesse dando também dor de bolso, porque no dia seguinte meu meio-mano 2 me convidou para ir junto negociá-lo com um vizinho que um dia havia manifestado interesse naquela jabiraca. Fui testemunha do seguinte diálogo.
Mano 2 – Ô Didjo Quá. Tudo bem?
Didjo Quá – Tudo, e ocê?
Mano 2 Voindo.  Oia, to querendo negociá o caminhão. Quanto me paga?
Didjo Quá – Uma vaca, treis porco e cinco saca de mio.
Mano 2 Muito poco, Didjo.
Didjo Quá – Craro que não. A vaca é de leite, dá déis litro por dia, os porco são larjoaite e o mio é de semente.
Mano 2 – Então armenta pra cinco porco e sete saca que tá bão.
Didjo Quá – Quatro porco e seis saca.
Mano 2 – Fechado, mas me leva de vorta de carona no Torresmo. Antes pára na bodega do Virso que tenho que pegá uns motor de arranque pra piazada lá de casa.
Eu – Nossa!?. Teus meninos já estão lidando com carro tão cedo?
Mano 2 – Não. Motor de arranque é paçoca de amendoim, que a gurizada gosta. 
      Somando ao todo, meus 6 meio-irmãos tem 24 filhos. Não sei se há alguma relação com o “motor de arranque” consumido em grande escala pela família.
      Apesar de estarmos num verdadeiro paraíso perdido, chegou a hora de prosseguir viagem. Agora o Destino era Curitiba. Tínhamos duas opções, via Ponta Grossa, o que aumentava a viagem em mais 50 km, ou via Irati. O Iguaçu era favorável via Irati, mas eu insistia via Ponta Grossa. Motivo eu tinha de sobra. Já conhecia o guarda rodoviário, e se tivesse o azar de reencontrá-lo, por certo ainda haveria de querer terminar aquela história do jeep da família dele.
      Deixei o Iguaçu em Curitiba, e fiz o trajeto Curitiba-floripa, via Jaraguá do sul, sozinho.
      Resumindo. 10 dias de viagem, 2.000 quilômetros rodados e alguns quilos a mais de precioso ferro-velho na garagem.


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